Passamos a vida usando máscaras. Trocamos de máscara várias vezes ao dia, milhões de vezes ao longo de uma vida. Não é fingimento, mas papéis que precisamos desempenhar ainda que não estejamos com vontade, passes para transitar no mundo e fazer nossas conquistas pessoais. Na reunião de trabalho usamos a máscara da mulher provedora. Se a demanda for pela mãe afetiva, ajudamos o filhote com o dever da escola, ou ralhamos com ele para que tome seu leite pela manhã, ou o deixamos no curso de inglês. Em algum momento chega a hora de dar vida à mulher que precisa manter a forma apesar de tudo: na academia de ginástica, ioga, pilatis ou seja lá o que for. Se houver marido, há o momento esposa, cafuné num pescoço cansado, ouvir novidades ou queixumes, falar se houver oportunidade. Se a vida estiver saudável, invariavelmente entra em cena a mulher fatal, em nome de suas próprias demandas e desejos e/ou para manter acesa a chama de uma relação. Se há um namorado, o papel tem outras nuances, mas permanece a necessidade de colocar na linha de frente a mulher atraente, desejável. As máscaras servem para mostrar o melhor de nós, dependendo da necessidade. Mas e o pior de cada um de nós, pra onde vai?
O pior, de preferência, só a gente conhece. E transparece, às vezes, sem querer, em pequenos delitos diários, no trânsito, em pensamentos e desejos mórbidos que nos tomam de assalto, durante brigas em que perdemos o controle, diante do terapeuta que desvenda nosso lado inconfessável. Certo dia aluguei na locadora a série Dexter, produção norte-americana indicada por uma amiga jornalista aficionada por séries televisivas. Alguns episódios depois, fui arrebatada pela história de um serial killer cheio de métodos cruéis e sanguinários, que durante o dia usa a máscara do perito em sangue que trabalha para a polícia de Miami, é um namorado atencioso, um irmão carinhoso. Sua história de vida tão surpreendente e triste e sua predileção por aniquilar apenas pessoas más, que “merecem morrer”, nos comovem ao mesmo tempo em que horrorizam. De alguma forma, Dexter nos põe em contato com um instinto natural de todos nós: fazer justiça com as próprias mãos, eliminando da terra as pessoas que não consideramos merecedoras de um lugar nessa terra.
Dexter personifica o ser humano maltratado pelo destino, que parece ter adquirido o direito de viver – ainda que silenciosamente – sua persona cruel e oculta, e ser aceito. Mas ele é aceito, assim, com seu lado sombrio, não pelos que o rodeiam, claro – que não conhecem sua verdadeira identidade – mas pelo telespectador que o assiste e o conhece verdadeiramente. Um justiceiro que comove porque carrega consigo um trauma de infância de proporções inenarráveis. Passei os primeiros 12 episódios da série dividida entre a simpatia e o horror. E chego à conclusão de que Dexter toca porque também nós somos animais domesticados, contidos numa espécie de rotina que nos controla e evita que nos deixemos levar por um imenso potencial para o delito. Guardadas as devidas proporções, claro.
Somos seres humanos que bailam a dança da aceitação, tentando ser amados e aceitos, o tempo todo: nas nossas carreiras, pelos nossos parceiros, filhos, parentes, amigos. Lutamos incessantemente, usando nossas máscaras para ter um lugar no mundo. Buscamos rótulos e mais rótulos para obter aprovação: a filha estudiosa, a pessoa honesta, a profissional dedicada, a mãe protetora, a namorada sexy, a patroa compreensiva. Nossos desejos de chutar o balde nos confundem e precisam ser reprimidos, controlados, escondidos em caixinhas que guardamos em compartimentos bem disfarçados. Mexemos neles de vez em quando, mas aprendemos a reprimi-los cuidadosamente, através da terapia, da meditação, da ioga, e por aí vai. Volta e meia, explodimos sem saber bem porque, culpamos a TPM, o trabalho, o stress, a fechada no trânsito, a noite mal dormida, a doença de um parente, a fila do supermercado.
Texto escrito por: Claudia Penteado
Fonte: Mulher 7 por 7 – Revista Época
Dica de: @mari_fnandes